Já está disponível para visualização o contrato-programa que materializa o protocolo celebrado entre a Associação dos Bons Sinais e a diocese de Quelimane.
A Associação dos Bons Sinais publica aqui o documento para que todos possam ler o mesmo na íntegra e compreender com maior detalhe o projeto.
Depois de celebrado o presente contrato, estão agora a ser elaborados os documentos complementares ao projeto, cujos nomes e datas previstas de conclusão podem ser encontrados aqui em baixo:
As crianças são uma grande riqueza de África e uma esperança para o seu futuro. Mas, infelizmente, poucas têm os seus direitos assegurados. Muitas não podem estudar. E a educação é a única forma de poderem mudar o seu destino.
“As crianças são flores que nunca murcham.”
Samora Machel
A Associação dos Bons Sinais (ABS) aplaude a iniciativa da esposa do Presidente do Município de Quelimane que lançou o projeto social 1 padrinho 1 criança na escola! Trata-se do financiamento de uma pequena bolsa de estudo para custear o uniforme e o material escolar.
O apadrinhamento de uma criança custará 2 mil meticais/ano letivo (apenas 27 €!) dando ainda direito a um par de sapatos.
A ABS, através dos seus membros, decidiu apoiar desde já 75 crianças para o próximo ano letivo. Mas queremos aumentar este número!
Junta-te a nós e podemos proporcionar a muito mais crianças da Zambézia a oportunidade de estarem na escola e melhorarem o seu futuro. Envia-nos este valor para a conta que temos aqui na nossa página Donativos. Ficarás a saber o nome das crianças que estás a ajudar e o local onde estudam.
Sem dúvidas que o carnaval mais emblemático e marcante da cidade de Quelimane, no tempo antes e pouco depois da independência, foi o carnaval do Benfica.
Antes, porém, importa recordar que, antecedendo esses carnavais dos grandes salões ou dos ocorridos em campos gimnodesportivos, toda criança tinha o seu carnaval de bairro, quer fosse o bairro Kansa, o Vila Pita, o Sinacura, o Brandão, o Moreira, o Torrone, o Sangalivera, ou mesmo o Saguar ou o Mapiesua, em que os putos se juntavam em grupos de malta amiga, mascaravam-se, sem grandes requintes, e deambulavam pelo bairro, cantando e dançando, muitas vezes extasiando espectadores transeuntes, de tal jeito que estes acabavam dando-lhes uns trocos. Podemos situar essa actividade até ao princípio da escolaridade, na altura designada de ciclo preparatório, que seriam hoje a quinta e sexta classes claro com um matulão desocupado, normalmente descolarizado, como chefe de equipa e guardião do grupo. Lá para os quinze e desasseis anos, mais crescidinhos e com o thymos despontando em alta, não nos permitíamos esse despojamento. O assunto tomava outro rumo: era o carnaval dos adultos. Aliás, convém recordar que muitos dos adolecentes começavam a ter autorização, e a libertar-se do controlo apertado dos pais, para sair à noite e voltar de madrugada, a partir dos carnavais. E aí começava o lassar do controlo. Nesta senda, não é de admirar que muitos dos pequenos e pequenas viravam meio adultos, perdendo a virgindade nesse período de folia e muita libertinagem.
Dos carnavais, pode-se recordar que se centravam nos clubes, e deles os mais badalados foram os da Associação Africana, os do Sporting, com pouca expressão, porque estes esquecendo-se de que o carnaval é essencialmente uma festa popular, tentaram fazer um carnaval de elite que resultou num redundante fracasso. O carnaval que conseguiu êxito retumbante, quando completamente popular, foi o Carnaval do Benfica, sem dúvidas.
O clube, neste propósito o Benfica, organizava o Carnaval, solicitando não apenas a participação popular dos bairros da cidade, mas também das grandes empresas de renome na província, que davam o suporte financeiro e aproveitavam a deixa para publicitar os seus produtos, principalmente no chamado corso da inauguração e do enterro do carnaval, onde, nas viaturas, expunham os seus produtos e publicitavam as suas actividades. As pessoas, organizadas em grupo e suportadas pelas empresas, outras por iniciativas particulares, eram os chamados grupos foliões, dos quais recordo o da Padaria Nacional, o da Manica, o da 2M, o da Companhia da Zambézia, o do Bailinho, os Metralhas, os Chaves, os dos bairros já referidos, etc., etc.. A princípio, o Benfica, um pouco no sentido de permitir o envolvimento de todos, mas com pouca mistura, na hora do baile, durante a semana de carnaval, promovia dois bailes em simultâneo, um dentro do salão de festas do clube – no local onde hoje se encontra o chamado cinema Estudio 222 – e o baile onde a populção dos bairros se divertia à brava no pavilhão gimnodesportivo. Os conjuntos chamados a animar eram, por um lado, da elite, os The Blue Twisters, os Idavoli, a meio-termo, e por outro, salvo omissão, os Cometas, que actuavam no gimndesportivo, aliás este passou a ser o conjunto-mor e símbolo do som carnavalesco, com o exímio viola solo Bébé Temporário e o inesquecível baterista Cassamo, que numa daquelas então crónicas falhas de energia, pôs-nos, sozinho, sambamdo para cima de 45 minutos, aguentando com o tranco. A animação de fora era de tal intensidade que os de dentro não resistiam e vinham para fora. Até que, num desses finais, o Carlos Beirão, que também era vocalista de um dos conjuntos de dentro, chamou à realidade dos factos os organizadores, em pleno microfone, advinhando que o carnaval unificado teria outra dimensão. Escutado que foi o apelo pelos organizadores, unificaram-no; o carnaval, do ano seguinte em diante, passou a acontecer exclusivamente no pavilhão. Teve um salto de qualidade e intensidade emocional inefável; a sua fama saltou as fronteiras da cidade e viajou pelo país, ganhou outra vertigem. Nos anos subsequentes, as romarias de outras cidades para participação no carnaval da cidade de Quelimane foi explosiva; passou a figurar nos assuntos da temporada, com repórteres especiais dos orgãos de informação a deslocarem-se para a cidade, para descrever a folia dos zambezianos, a miscigenação de culturas, cores e raças, bem como dos diversos extractos sociais, num convívio particularmente interessante, fazendo dessa festa uma academia de convivência. Quem não se recorda das grandes reportagens do João de Sousa, da RM, fazendo jus à fama ganha pela festa de marca quelimanense, como também das reportagens, quer fotográficas, quer escritas, da revista Tempo, altamente conceituada na altura?! E isso sem falarmos da culinária única, que era posta nessa montra em que a cidade se transformava. Recordo-me, por exemplo, do grupo de foliões organizados vindos de Nampula, pertencentes à casa Guida, salvo erro. Bem como de sambistas exímios na arte de mexer o esqueleto, como o famoso Aligy, que, com uma simulação, pôs um guerilheiro recentemente chegado das matas, no carnaval imediatamente antes da independência, num histórico tombo com a sua Kalachnikov a tiracolo. No último dia de cada carnaval reinava a ansiedade de saber afinal quem seriam o rei e a rainha, e qual o grupo mais folião.
Aconteceu a independência, com todas as suas mutações e matizes, mas a essência carnavalesca da cidade ficou, ainda que em estado latente. Passados os complexos próprios de um país criança, a festa de carnaval foi retomada com as devidas e necessárias adaptações, numa nova miscelânea de sons e rítmos, passando pelos trajes. Desde o Pio Matos até ao presente mandato do Mano Mané, o município assumiu a gestão e organização do carnaval, e é feito na rua, ao jeito do sambódromo do Rio de Janeiro, numa festa eminentemente popular, onde a criatividade e habilidade dos bairros é posta à prova. Para mim, o senão está, decididamente, no som, que não consegue ter a potência requerida, bem como pelo facto de não cobrir todo o percurso da área de dança, com colunas estratégicamente localizadas. Outro senão, ao que me disseram já resolvido, isso porque este ano estive ausente, era o facto de a área dos comes e bebes estar distante da área da folia. O combustível dos foliões é a bebida e a comida. Parabéns pelo facto. Mas resolva-se o óbice som e ver-se-á a qualidade daí advinda. Explodir-se-á de novo, a outros níveis, para gáudio de todos.
Ernesto Edgar de Santana Afonso, Né Afonso ou simplesmente Né, foi e ainda é uma das figuras mais populares da terra dos Bons Sinais, atravessando épocas e gerações.
Em Quelimane nasceu, a 23 de Fevereiro de 1950, e, ensinado pela irmã mais velha, começou a aprender piano com 5 anos de idade, pois seu pai, também Ernesto, fazia questão de que todos os filhos – Edma, Élia, Ernesto Edgar e Eunice, curiosamente todos nomes começados por E – tocassem este instrumento.
Aos 12 anos, no dia do seu aniversário, estreia, com os amigos Arnaldo Miranda (xilofone), Abel Frank (viola), Quicas Regado (bateria), Amílcar Domingues e Pacheco (acordeonistas), José Carlos Beirão e Anselmo Duarte (contrabaixo), o TAQ Júnior, conjunto do Teatro Amador de Quelimane criado por António Regado, que, já autónomo, passa a Jovens Apaches, actuando em bailes e outras festividades. Colabora com o Emissor Regional da Zambézia no programa infantil “No Mundo da Pequenada”, de Graça Serrano (Tia Locas) e Elisa Viegas (Tia Lili), acompanhando as crianças que ali iam cantar, e tem uma curta estada n’ Os Lordes. Prometendo-lhe um órgão, novidade na altura, e apoio nos estudos, Fernando Adão, empresário do The Blue Twisters, consegue arrancá-lo para este grupo, o que vem a ser um grande impulso na sua vida artística. Nos shows musicais em que actua, realizados sobretudo no Benfica e no Cinema Águia, surpreende a assistência, tocando por vezes de costas o seu novo instrumento, um Philips de madeira. Na Boîte da FAE, a Feira das Actividades Económicas que anualmente tinha lugar, ou noutros locais da cidade, acompanha famosos cançonetistas de Lourenço Marques, como Natércia Barreto, Zito Pereira, Berta Laurentino, Liliana Matos, e o humorista Parafuso. Liliana Matos ganha um prémio em Angola com uma das suas composições, e Natércia Barreto grava em disco duas outras, que logo se popularizam: “Chitato” e “Muianá”.
Mudando-se para Lourenço Marques, frequenta e conclui o curso de educação física, sempre mantendo a actividade de músico profissional. Ensina música na escola onde estudou, o Instituto Nacional de Educação Física, toca em clubes nocturnos como o Topázio, a Cave ou o Pinguim, e faz parte do popular Conjunto de Renato Silva. Ingressa na Rádio Moçambique, onde se torna o “Tio Turutão Sabe Tudo” de todas as crianças do país que nascia. Entre outras, ficaram célebres as suas canções “Marrabentinha” e “Bons Sonhos”, que durante anos se ouviu na televisão indicando às crianças a hora de se irem deitar. Grava, em 1984, um LP com esse nome e, no ano seguinte, o disco “Dez Anos”, que assinalou a primeira década de independência. António Alves da Fonseca, na altura Director Comercial da Rádio Moçambique, apadrinhou a iniciativa. Grava ainda outro disco, este com histórias infantis, contracenando com Álvaro Belo Marques, importante figura da comunicação social. É activa a sua participação no teatro radiofónico. Escreve, adapta, traduz, interpreta e dirige actores para um programa idealizado por Leite de Vasconcelos. Seu livro “Eu Não Sou Eu e outras peças de teatro”, datado de 1981, reúne quatro das peças apresentadas. De sua autoria é também o seriado “Unahiti, o guerrilheiro”.
Como se não bastasse, dois factos há que acrescentar a este rico historial. Em primeiro lugar, o seu papel na criação de uma orquestra juvenil, com a colaboração de Yana, então ligado ao Ministério da Cultura. Diz João de Sousa, um dos mais antigos radialistas moçambicanos, que essa orquestra “foi o embrião para a formação duma Escola de Música, inicialmente tutelada pela Rádio Moçambique e actualmente [Maio de 2016] de natureza privada, que, segundo Yana, pode vir a ostentar brevemente o nome de Né Afonso.” Em segundo lugar, a ligação que teve à Deutsch Welle, a rádio internacional da Alemanha, país onde também residiu, e de onde regressou a Moçambique, continuando a trabalhar na RM.
Né Afonso com amigos de Quelimane, em Maputo, depois do seu regresso a Moçambique
Ernesto Edgar de Santana Afonso, o nosso Né, faleceu em Portugal a 13 de Maio de 2016, pouco tempo depois de um dos calorosos encontros de zambezianos naquele país, onde estiveram presentes vários familiares e amigos. Partiu naquele dia em que, também para ele, “Chegou a hora de fazero oó”, tão fatigado que estava.
De Né Afonso ficará, certamente para sempre, uma grande saudade no coração de todos os quelimanenses do seu tempo e de muitos, muitos moçambicanos e outros.