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Fotografia do Carnaval de Quelimane,

Os carnavais da minha memória, por Lo Chi

Abril 17th, 2017 Posted by Caleidoscópio 0 thoughts on “Os carnavais da minha memória, por Lo Chi”

Lo ChiSem dúvidas que o carnaval mais emblemático e marcante da cidade de Quelimane, no tempo antes e pouco depois da independência, foi o carnaval do Benfica.

Antes, porém, importa recordar que, antecedendo esses carnavais dos grandes salões ou dos ocorridos em campos gimnodesportivos, toda criança tinha o seu carnaval de bairro, quer fosse o bairro Kansa, o Vila Pita, o Sinacura, o Brandão, o Moreira, o Torrone, o Sangalivera, ou mesmo o Saguar ou o Mapiesua, em que os putos se juntavam em grupos de malta amiga, mascaravam-se, sem grandes requintes, e deambulavam pelo bairro, cantando e dançando, muitas vezes extasiando espectadores transeuntes, de tal jeito que estes acabavam dando-lhes uns trocos. Podemos situar essa actividade até ao princípio da escolaridade, na altura designada de ciclo preparatório, que seriam hoje a quinta e sexta classes claro com um matulão desocupado, normalmente descolarizado, como chefe de equipa e guardião do grupo. Lá para os quinze e desasseis anos, mais crescidinhos e com o thymos despontando em alta, não nos permitíamos esse despojamento. O assunto tomava outro rumo: era o carnaval dos adultos. Aliás, convém recordar que muitos dos adolecentes começavam a ter autorização, e a libertar-se do controlo apertado dos pais, para sair à noite e voltar de madrugada, a partir dos carnavais. E aí começava o lassar do controlo. Nesta senda, não é de admirar que muitos dos pequenos e pequenas viravam meio adultos, perdendo a virgindade nesse período de folia e muita libertinagem.

Dos carnavais, pode-se recordar que se centravam nos clubes, e deles os mais badalados foram os da Associação Africana, os do Sporting, com pouca expressão, porque estes esquecendo-se de que o carnaval é essencialmente uma festa popular, tentaram fazer um carnaval de elite que resultou num redundante fracasso. O carnaval que conseguiu êxito retumbante, quando completamente popular, foi o Carnaval do Benfica, sem dúvidas.

O clube, neste propósito o Benfica, organizava o Carnaval, solicitando não apenas a participação popular dos bairros da cidade, mas também das grandes empresas de renome na província, que davam o suporte financeiro e aproveitavam a deixa para publicitar os seus produtos, principalmente no chamado corso da inauguração e do enterro do carnaval, onde, nas viaturas, expunham os seus produtos e publicitavam as suas actividades. As pessoas, organizadas em grupo e suportadas pelas empresas, outras por iniciativas particulares, eram os chamados grupos foliões, dos quais recordo o da Padaria Nacional, o da Manica, o da 2M, o da Companhia da Zambézia, o do Bailinho, os Metralhas, os Chaves, os dos bairros já referidos, etc., etc.. A princípio, o Benfica, um pouco no sentido de permitir o envolvimento de todos, mas com pouca mistura, na hora do baile, durante a semana de carnaval, promovia dois bailes em simultâneo, um dentro do salão de festas do clube – no local onde hoje se encontra o chamado cinema Estudio 222 – e o baile onde a populção dos bairros se divertia à brava no pavilhão gimnodesportivo. Os conjuntos chamados a animar eram, por um lado, da elite, os The Blue Twisters, os Idavoli, a meio-termo, e por outro, salvo omissão, os Cometas, que actuavam no gimndesportivo, aliás este passou a ser o conjunto-mor e símbolo do som carnavalesco, com o exímio viola solo Bébé Temporário e o inesquecível baterista Cassamo, que numa daquelas então crónicas falhas de energia, pôs-nos, sozinho, sambamdo para cima de 45 minutos, aguentando com o tranco. A animação de fora era de tal intensidade que os de dentro não resistiam e vinham para fora. Até que, num desses finais, o Carlos Beirão, que também era vocalista de um dos conjuntos de dentro, chamou à realidade dos factos os organizadores, em pleno microfone, advinhando que o carnaval unificado teria outra dimensão. Escutado que foi o apelo pelos organizadores, unificaram-no; o carnaval, do ano seguinte em diante, passou a acontecer exclusivamente no pavilhão. Teve um salto de qualidade e intensidade emocional inefável; a sua fama saltou as fronteiras da cidade e viajou pelo país, ganhou outra vertigem. Nos anos subsequentes, as romarias de outras cidades para participação no carnaval da cidade de Quelimane foi explosiva; passou a figurar nos assuntos da temporada, com repórteres especiais dos orgãos de informação a deslocarem-se para a cidade, para descrever a folia dos zambezianos, a miscigenação de culturas, cores e raças, bem como dos diversos extractos sociais, num convívio particularmente interessante, fazendo dessa festa uma academia de convivência. Quem não se recorda das grandes reportagens do João de Sousa, da RM, fazendo jus à fama ganha pela festa de marca quelimanense, como também das reportagens, quer fotográficas, quer escritas, da revista Tempo, altamente conceituada na altura?! E isso sem falarmos da culinária única, que era posta nessa montra em que a cidade se transformava. Recordo-me, por exemplo, do grupo de foliões organizados vindos de Nampula, pertencentes à casa Guida, salvo erro. Bem como de sambistas exímios na arte de mexer o esqueleto, como o famoso Aligy, que, com uma simulação, pôs um guerilheiro recentemente chegado das matas, no carnaval imediatamente antes da independência, num histórico tombo com a sua Kalachnikov a tiracolo. No último dia de cada carnaval reinava a ansiedade de saber afinal quem seriam o rei e a rainha, e qual o grupo mais folião.

Aconteceu a independência, com todas as suas mutações e matizes, mas a essência carnavalesca da cidade ficou, ainda que em estado latente. Passados os complexos próprios de um país criança, a festa de carnaval foi retomada com as devidas e necessárias adaptações, numa nova miscelânea de sons e rítmos, passando pelos trajes. Desde o Pio Matos até ao presente mandato do Mano Mané, o município assumiu a gestão e organização do carnaval, e é feito na rua, ao jeito do sambódromo do Rio de Janeiro, numa festa eminentemente popular, onde a criatividade e habilidade dos bairros é posta à prova. Para mim, o senão está, decididamente, no som, que não consegue ter a potência requerida, bem como pelo facto de não cobrir todo o percurso da área de dança, com colunas estratégicamente localizadas. Outro senão, ao que me disseram já resolvido, isso porque este ano estive ausente, era o facto de a área dos comes e bebes estar distante da área da folia. O combustível dos foliões é a bebida e a comida. Parabéns pelo facto. Mas resolva-se o óbice som e ver-se-á a qualidade daí advinda. Explodir-se-á de novo, a outros níveis, para gáudio de todos.

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