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Praia de Zalala, Quelimane. Fotografia de António Leitão Marques

Zalala, a praia do extenso olhar – por Eduardo C. White

Março 16th, 2021 Posted by Caleidoscópio 0 thoughts on “Zalala, a praia do extenso olhar – por Eduardo C. White”

Na costa oriental de África, numa zona costeira de cerca de 1,000 quilómetros, desde Regone até Supinho, estende-se para o infinito, a praia de Zalala, de onde chega o marulhar das grandes ondas, o barulho anfíbio dos búzios, a gelatinosa substância das alforrecas, as conchas místicas, desocupadas em suas cores e formas diversas e resíduos variados de terras distantes que não podemos descortinar das suas margens.

Zalala, a 40 km da cidade de Quelimane, que é um beijo gigantesco do Índico às suas areias límpidas e claras e que parece vêm de cobrir as extensões do Mundo, olha calma os grandes coqueirais, as casuarinas em seus elegantes bailados e as canoas e as redes dos pescadores de tronco nu, enrolando a nudez das mugondas  no azul que desce sobre as águas.

Confirmam, alguns historiadores, que foi a primeira Capital da Província da Zambézia, antes de Maquival e depois Quelimane, e ter sido, também um importante centro de comercialização de escravos. Com imensas qualidades paisagísticas pode-se considerar Zalala um magnífico destino turístico.

A sua maresia tem na pele um cheiro profundo a mariscos e ao peixe que abunda lavrando as pequenas aves apressadas calcorreando a espuma que deixa o mar, depois de se ir, em busca dos marítimos alimentos que este vai deixando ao visitar as terrestres paisagens que namora.

Para lá das areias, a caminho das palmeiras, um denso pinhal torna leves os ventos que chegam do Índico e vão assobiar às janelas das casas do antigo Automóvel Touring Clube de Moçambique.

São edifícios simpáticos, marcados pelos seus terraços largos e pelos quintais que os circundam carregados de togomas, uma espécie de uva africana que nasce de um arbusto que parece ser apenas oriundo dali, fazendo a delícia  das crianças.

Como fazem as garoupas, o peixe serra, os camarões, os lagostins, as amêijoas e os caranguejos que os pescadores, ao raiar e ao terminar do dia, vêm vender, junto aos carros e às portas das residências balneares, para as intermináveis patuscadas dos mais adultos.

Num vale por detrás desse comboio de casas do antigo ATCM, um fio de água deixa crescer o arroz que a população local semeia, entre o gorjear dos bandos de minúsculos pássaros chamados Djogorros e dos libretos lúdicos das toutinegras. Terra de nascer e pôr de sois divinais, Zalala é uma pérola turística da província da Zambézia ao lado de outras praias como a de Pebane Muceliwa, Cabuiri.

Nela revisito muitas vezes a minha infância. A fisga nos bolsos, o lanho fresco, as barrigadas dos frutos paradisíacos que nascem ali junto ao sal e as areias soltas, as apanhas das amêijoas ao fim da tarde, as lagoas de água doce apinhadas de patos selvagens, os papagaios de papel que íamos levar a voar junto a água.

Meu cenário para os sonhos que só a meninice pode dar, cavalguei nos meus pés os heróis que me deixei ser por entre as casuarinas, os montes de areias brancas, os arbustos baixos, os insectos estranhos que o pitoresco ainda hoje nos deixa observar. E como fundo musical, um Índico azulando as mais belas operetas e os mais chorados versos líricos que só sem ler os podia ler.

Zalala que aqui se visita entre os olhos da memória e o corpo imortal da terra, zambeziana nos cheiros, no acolher e no calor das suas águas tão intenso como o das suas gentes. Gentes que têm a praia como extensão do seu olhar.


Breve nota biográfica

Eduardo C. White nasceu em Quelimane em 1963 e faleceu em Maputo em 2014 com 50 anos.

Deixou uma marca indelével na literatura moçambicana, contribuindo para a sua renovação.

É autor de uma vasta obra literária, principalmente na área da poesia, destacando-se entre outros:

  • Amar sobre o Índico, 1984
  • O País de Mim, 1989
  • Poemas da Ciência de Voar e da Engenharia de ser Ave, 1992
  • Janela para o Oriente, 1999
  • O Manual das Mãos, 2004
  • Até Amanhã, Coração, 2005

Ao longo da sua carreira foi consagrado com inúmeros prémios literários:

  • Prémio da Gazeta da revista Tempo – Amar sobre o Índico, em 1987
  • Figura literária do ano, menção atribuída pela imprensa moçambicana, em 2001
  • Prémio José Craveirinha e prémio TVZine para a literatura – O Manual das Mãos, em 2004

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