Ernesto Edgar de Santana Afonso, Né Afonso ou simplesmente Né, foi e ainda é uma das figuras mais populares da terra dos Bons Sinais, atravessando épocas e gerações.
Em Quelimane nasceu, a 23 de Fevereiro de 1950, e, ensinado pela irmã mais velha, começou a aprender piano com 5 anos de idade, pois seu pai, também Ernesto, fazia questão de que todos os filhos – Edma, Élia, Ernesto Edgar e Eunice, curiosamente todos nomes começados por E – tocassem este instrumento.
Aos 12 anos, no dia do seu aniversário, estreia, com os amigos Arnaldo Miranda (xilofone), Abel Frank (viola), Quicas Regado (bateria), Amílcar Domingues e Pacheco (acordeonistas), José Carlos Beirão e Anselmo Duarte (contrabaixo), o TAQ Júnior, conjunto do Teatro Amador de Quelimane criado por António Regado, que, já autónomo, passa a Jovens Apaches, actuando em bailes e outras festividades. Colabora com o Emissor Regional da Zambézia no programa infantil “No Mundo da Pequenada”, de Graça Serrano (Tia Locas) e Elisa Viegas (Tia Lili), acompanhando as crianças que ali iam cantar, e tem uma curta estada n’ Os Lordes. Prometendo-lhe um órgão, novidade na altura, e apoio nos estudos, Fernando Adão, empresário do The Blue Twisters, consegue arrancá-lo para este grupo, o que vem a ser um grande impulso na sua vida artística. Nos shows musicais em que actua, realizados sobretudo no Benfica e no Cinema Águia, surpreende a assistência, tocando por vezes de costas o seu novo instrumento, um Philips de madeira. Na Boîte da FAE, a Feira das Actividades Económicas que anualmente tinha lugar, ou noutros locais da cidade, acompanha famosos cançonetistas de Lourenço Marques, como Natércia Barreto, Zito Pereira, Berta Laurentino, Liliana Matos, e o humorista Parafuso. Liliana Matos ganha um prémio em Angola com uma das suas composições, e Natércia Barreto grava em disco duas outras, que logo se popularizam: “Chitato” e “Muianá”.
Mudando-se para Lourenço Marques, frequenta e conclui o curso de educação física, sempre mantendo a actividade de músico profissional. Ensina música na escola onde estudou, o Instituto Nacional de Educação Física, toca em clubes nocturnos como o Topázio, a Cave ou o Pinguim, e faz parte do popular Conjunto de Renato Silva. Ingressa na Rádio Moçambique, onde se torna o “Tio Turutão Sabe Tudo” de todas as crianças do país que nascia. Entre outras, ficaram célebres as suas canções “Marrabentinha” e “Bons Sonhos”, que durante anos se ouviu na televisão indicando às crianças a hora de se irem deitar. Grava, em 1984, um LP com esse nome e, no ano seguinte, o disco “Dez Anos”, que assinalou a primeira década de independência. António Alves da Fonseca, na altura Director Comercial da Rádio Moçambique, apadrinhou a iniciativa. Grava ainda outro disco, este com histórias infantis, contracenando com Álvaro Belo Marques, importante figura da comunicação social. É activa a sua participação no teatro radiofónico. Escreve, adapta, traduz, interpreta e dirige actores para um programa idealizado por Leite de Vasconcelos. Seu livro “Eu Não Sou Eu e outras peças de teatro”, datado de 1981, reúne quatro das peças apresentadas. De sua autoria é também o seriado “Unahiti, o guerrilheiro”.
Como se não bastasse, dois factos há que acrescentar a este rico historial. Em primeiro lugar, o seu papel na criação de uma orquestra juvenil, com a colaboração de Yana, então ligado ao Ministério da Cultura. Diz João de Sousa, um dos mais antigos radialistas moçambicanos, que essa orquestra “foi o embrião para a formação duma Escola de Música, inicialmente tutelada pela Rádio Moçambique e actualmente [Maio de 2016] de natureza privada, que, segundo Yana, pode vir a ostentar brevemente o nome de Né Afonso.” Em segundo lugar, a ligação que teve à Deutsch Welle, a rádio internacional da Alemanha, país onde também residiu, e de onde regressou a Moçambique, continuando a trabalhar na RM.
Ernesto Edgar de Santana Afonso, o nosso Né, faleceu em Portugal a 13 de Maio de 2016, pouco tempo depois de um dos calorosos encontros de zambezianos naquele país, onde estiveram presentes vários familiares e amigos. Partiu naquele dia em que, também para ele, “Chegou a hora de fazero oó”, tão fatigado que estava.
De Né Afonso ficará, certamente para sempre, uma grande saudade no coração de todos os quelimanenses do seu tempo e de muitos, muitos moçambicanos e outros.
Ouça aqui “Chitato”, música de Né Afonso: