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Em Quelimane vivi, por Fátima Ribeiro

Agosto 2nd, 2017 Posted by Gente da nossa terra 0 thoughts on “Em Quelimane vivi, por Fátima Ribeiro”

Quelimane, a pequena grande cidade em que passei 13 anos da minha infância e juventude. Quanta coisa para recordar e prazerosamente partilhar!

Para lá fui com apenas seis anos de idade, em 1962, depois de uma curta vivência em Mocuba, também na província da Zambézia. De bem pequenina, ainda me lembro da casa dos meus pais e dos vizinhos nossos amigos, na rua então dos Combatentes da Grande Guerra. Das aulas e recreios na Santa Sancha, a escola das meninas, irmã da Vasco da Gama, apenas para rapazes. Da catequese nas varandas da igreja velha. Dos momentos de recolhimento, e também das travessuras, nos retiros do Nuno Álvares. Das festas de Natal no antigo BNU, onde trabalhava o meu pai, e do Clube do Banco, onde aprendi a nadar. Das matinés infantis no Cinema Águia, do “Mundo da Pequenada”, programa do Emissor Regional da Zambézia em que cantávamos ou declamávamos, com o Tio Né ao piano, a Tia Locas e a Tia Lili, e do Núcleo de Arte, pertinho da Câmara Municipal, onde desenhávamos, pintávamos e esculpíamos, incentivados pelo arquitecto Lobo Fernandes.

Já da minha adolescência, tenho bem vivos na memória o Liceu João de Azevedo Coutinho, e depois o novo, para onde passámos no início dos anos setenta. As grandes mostras de ginástica em que nós, as meninas, entrávamos, e outros espectáculos ensaiados pela respeitada D. Ester. O minibásquete, que ali foi lançar Teotónio Lima, a esgrima, com Pereira Nina, e a escola de patinagem artística do Sporting, criada pela dona Fernanda, que grandes talentos criou. As animadas competições entre o Liceu e a Escola Técnica, em várias modalidades, e também o desporto federado, sobretudo o básquete, entre o Benfica, o Sporting e o Ferroviário, que intensamente vivi. E ainda o futebol de salão entre empresas, as provas de saltos e natação na Piscina Municipal, o tiro aos pratos, e até os ralis e mini-puzzles em que eu entrava com o meu pai.

Recordo-me bem das reuniões de sábado na sede das guias, junto ao Apostolado, e dos escuteiros, na Catedral, e do muito que lá aprendíamos, depois testado em provas e acampamentos, quase sempre na praia do Zalala. Da arrojada Missa Pop no Instituto, iniciativa dos padres Zé Manel e Bernardino, onde cantávamos “Congratulations”, “Lily the Pink” e outras canções da moda, com letras em português, por vezes contestatárias.

Boas são as minhas lembranças dos bifes à Meireles, dos camarões do Monte Neve e da Marisqueira, dos lanches no Riviera e no Coco, das chamuças do Sulemane e do amendoim melado à porta do cinema. Dos prolongados passeios de domingo na marginal. Dos shows musicais e dos muitos parties que fazíamos, em garagens ou terraços. Dos bailes dos finalistas e outros pela noite dentro, nos clubes, na Associação Africana e na FAE, a feira de actividades económicas que anualmente se realizava. Da pequenina cidade a crescer, com o Monteiro e Giro, o Hotel Chuabo, o novo edifício do Banco e a nova Sé Catedral.

E do carnaval, então… De que maneira me lembro! O CARNAVAL! Quatro dias de arromba mais um, do corso alegórico ao “enterro”, um grande convívio de toda a cidade, em que parecia esquecerem-se raças, credos e origens sociais.

Muito mais recordo, com grande saudade. A tudo envolver, eternamente presentes, as águas do Bons Sinais, Inhassunge à vista, e aquele enorme palmar, alongando-se para além do horizonte.

Quelimane, terra da sã camaradagem que eu e os muitos amigos que lá fiz continuamos a tentar manter. Esta rubrica será certamente mais um espaço para o fazermos, com o detalhar destas e de outras memórias.

Quelimane merece o grande livro que aqui podemos escrever. Para que conste. Para que nunca se apague da sua história.

 

Por: Fátima Ribeiro

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